Entrevista a O Diabo [02-03-2010]

Houve quem achasse excessivamente dura a recensão crítica publicada por ‘O Diabo’ ao seu livro “Império Nação Revolução”, recentemente apresentado ao público…

Antes de mais, agradeço a atenção que ‘O Diabo’ prestou à obra, mas gostava de sublinhar, ao lado de algumas verdades, falsidades desnecessárias. É, sem dúvida, verdadeira a existência de erros linguísticos no texto, cuja responsabilidade é só e exclusivamente minha e das minhas lacunas na língua portuguesa, a começar pelo “inaceitável serrar fileiras”, que nem sequer foi um lapso freudiano. Também é verdadeira a presença de “erros factuais”: são os perigos do ofício de historiador, por muito rigor que se use. Os amigos que me ajudaram com os seus testemunhos já me alertaram para isso, mas também referiram a irrelevância dos erros na economia da obra. Não me resta mais que considerá-los uma boa oportunidade para futuros trabalhos “revisionistas”… sempre bem aceites quando rigorosos.

E quanto às críticas mais opinativas?

O meu crítico lamenta a falta de “uma boa introdução sobre o pensamento nacionalista português do século XX”. Esta foi uma escolha metodológica minha. Optei por me concentrar exclusivamente no nacionalismo radical do pós-guerra. O tema, de facto, só por si, oferece pano para mangas para uma investigação que ao ser definida como “superficial” parece-me, no mínimo, pouco generoso, visto o estado da arte em que se encontravam tais estudos. Opinável é também definir o trabalho como “uma monumental maçada cronológica”. Cada leitor, como é óbvio, tem a sua sensibilidade. Certo é que um trabalho de história sobre um período ainda inexplorado não pode eximir-se de uma minuciosa contextualização e colocação temporal dos eventos. Quanto ao facto de o livro resultar “sem alma e sem chama”, posso apenas dizer que eu não sou um romancista, nem um poeta, nem um apologista e que não vivi, nem sequer de longe, os factos narrados, para poder sentir as suas almas e chamas. Para isso servem as obras de memórias, que, pelos vistos, os detentores de almas e chamas deste “tema empolgante” nunca se preocuparam em legar às gerações vindouras. A mim, coube-me apenas relatar as ocorrências, da maneira mais científica possível.

Mas é na parte factual que parecem surgir mais dúvidas…

Sim. O crítico afirma ter eu “enveredado por um estudo cómodo”, com base apenas no material impresso (publicações dos movimentos). É falso. A análise necessária e exaustiva das publicações dos movimentos da direita revolucionária é apenas uma das fontes utilizadas. A reconstrução historiográfica baseia-se, principalmente, nas várias entrevistas realizadas com 25 destacados militantes e dirigentes da direita revolucionária da altura; nos 8 arquivos particulares pertencentes a líderes dos movimentos; nas centenas de pastas (com alguns milhares de documentos) guardadas nos Arquivos Nacionais da Torre do Tombo (Salazar, PIDE, Censura, Marcello Caetano, Legião Portuguesa, Ministério da Administração Interna). Tudo rigorosamente registado em notas de rodapé.

A crítica questionava também a opção de fundo de ter iniciado o estudo em 1959...

Esse “mistério” poderia ter sido resolvido com uma sua investigação, esta sim bastante “cómoda”, na internet ou, ainda mais “cómoda”, na bibliografia do livro (página 414). Teria descoberto que, ao mesmo tempo que “Império, Nação, Revolução”, publiquei o livro “Folhas Ultras” (Edição do Instituto de Ciências Sociais) que cobre o período 1939-1950, dedicado a Alfredo Pimenta, ao grupo de ‘A Nação’ e também ao grupo da ‘Mensagem’ (Caetano Beirão, Amândio César, António José de Brito). Quanto às “frequentes remissões para trabalhos de autores esquerdistas”, deixe-me dizer, em primeiro lugar, que o “rotulismo” é-me indigesto tanto quando provém de certa cultura antifascista, como de qualquer outra cultura política. Dito isto, as “frequentes remissões” denunciadas, reduzem-se a… duas, em 400 páginas, nomeadamente nas notas de rodapé n.º 1 da página 14 e n.º 2 da página 387. Demasiada esquerda num livro sobre as direitas?

O seu trabalho de investigação sobre os movimentos de Direita em Portugal é, de alguma forma, pioneiro. Porque acha que os investigadores portugueses não se têm dedicado a este campo de estudos?

Posto que os interesses de investigação têm muito a ver com o foro interior de cada investigador, na minha opinião são duas as razões principais que concorreram a alhear a atenção dos cientistas deste campo de estudos. A primeira tem a ver com a relativa proximidade cronológica do regime autoritário que causa ainda uma reductio ad unum de tudo o que é direitas ou nacionalismos à figura de Salazar. Isso esbate a policromia de uma área rica em pensamento político e história dos movimentos e prejudica o seu interesse. A segunda tem a ver com a auto-exclusão, no regime democrático, das direitas e dos nacionalismos do debate das ideias. Tiradas algumas excepções (por exemplo “Futuro Presente” nos anos 80), esta área temeu as contaminações, recusou-se a enxertar as suas raízes com os novos desafios da modernidade e renunciou a produzir novas sínteses. Acabou, assim, por contentar-se em sobreviver no limbo dos “êxules em pátria”, importando amiúde ideias simples cunhadas no estrangeiro para o combate partidário (por sua essência pouco útil à elaboração de princípios com peso). Esta retirada da batalha das ideias contribuiu em afastar os investigadores da procura das raízes profundas desta área. Dito isto, eu não me preocuparia muito com a quantidade de investigações dedicadas ao tema, mas sim com a sua qualidade, muito mais importante para abrir trilhos seguros.

Consultou inúmeros arquivos, particulares e públicos. Ficou surpreendido com a quantidade ou a qualidade dos documentos que teve ao seu dispor?

Fiquei mais surpreendido com a descontinuidade dos documentos, que denota como as direitas radicais do segundo pós-guerra, apesar de sempre presentes, nunca conseguiram (ou nunca procuraram) um projecto orgânico de longa duração. Tratou-se de experiências isoladas, pontuais, amiúde com boa qualidade intelectual, mas efémeras e, por isso, pouco frutíferas do ponto de vista do legado a deixar. Este limite parece-me reproduzir-se também no período democrático.

Encontrou disponibilidade para depor por parte dos muitos participantes nos movimentos de Direita no período de que se ocupa?

Disponibilidade incondicional por parte de muitos, uma certa reticencia por parte de alguns, recusa total de colaboração por parte de poucos, felizmente.

Algumas das pessoas que participaram nesses movimentos encontram-se hoje inseridas na sociedade democrática, e algumas ocupam mesmo cargos de relevo na vida política e social. Sentiu que isso as inibiu de falarem abertamente sobre o seu passado?

Creio que as inibições deveram-se mais ao facto de eu ser estrangeiro. Isso gerou o preconceito, não totalmente injustificado, que dificilmente poderia ter compreendido as razões profundas da militância deles de há 40 anos. Mas devo dizer que também as figuras actualmente com cargos de relevo, foram, no que decidiram contar-me, bastante sinceras, honestas e até orgulhosas das lutas que travaram nos seus 20 anos. Isso não lhes impediu de rever algumas posições e criticar certos limites ínsitos no radicalismo de então, graças à distância cronológica e aos respectivos percursos de maturação intelectual. Gostei dos depoimentos deles e fiquei com a vontade de os interrogar mais a fundo, ultrapassando finalmente as omissões iniciais. Como historiador, e como homem, teria ficado muito mais decepcionado em ouvir uma ladainha de arrependimentos, justificações, mea culpa. Não foi o caso, com nenhum deles.

Sabemos que em breve inaugurará um ‘site’ sobre o tema na Internet. Tenciona continuar a dedicar-se à investigação e à publicação no âmbito da Direita portuguesa?

Sim, o site disponibilizará na internet a documentação original que recolhi no decurso das minhas investigações e tenciona ser um instrumento de trabalho para os futuros investigadores e apaixonados da matéria. Em relação às minhas actuais investigações, dedico-me agora à história das direitas radicais na transição democrática, entre 25 de Abril de 1974 e, sensivelmente, o princípio da década de 80. A este respeito gostava de aproveitar a colaboração de “O Diabo” para lançar uma “operação memória”, convidando todos os leitores que participaram directamente naqueles eventos em contactar-me ( riccardo.marchi@ics.ul.pt ) para deixar o seu testemunho ou disponibilizar-me o acesso aos seus arquivos particulares. Na minha profissão, “memento” é de facto um imperativo, visto que a reconstrução histórica, assim como a história em si, é sempre uma obra comunitária.

Jaime Nogueira Pinto no "i" [29 Dezembro 2009]

“Como nós fomos...”

Como as esquerdas radicais, vivemos intensamente os combates políticos da nossa época. Pensamos e lutamos por ideias de justiça social.

“Império, Nação, Revolução. As Direitas Radicais Portuguesas no Fim do Estado Novo (1945-1974)”, de Riccardo Marchi, abre uma janela sobre uma terra quase incógnita da nossa historia próxima. Marchi nasceu em Pádua, em 1974. E por isso é um alien nesta paisagem, que vem olhar e contar. Mas trouxe cânones analíticos que faltam à intelectualidade indígena, que, seguindo a vulgata antifascista, arrumou indiscriminadamente todas estas “direitas” em “fascistas”, “reaccionários”, “extrema-direita” – os “maus” ou “vilões” da história.
A hegemonia política da esquerda há trinta e cinco anos faz com que as categorias políticas de esquerda e extrema-esquerda sejam estudadas e debatidas com algum rigor. Mas persiste a amálgama conceptual na área da direita, que, salvo raras excepções, ainda é contada pela esquerda.
Dai o mérito do livro de Marchi, que, além de estabelecer as distinções requeridas, procurou conhecer o pensamento, o sentimento, a história desta área. A galáxia aqui contada teve revistas, jornais, editoras – Tempo Presente, Combate, Via Latina, O Ataque, Política, Cidadela; teve movimentos de juventude – como o Jovem Portugal nacional-revolucionário, fundado pelo Zarco Moniz Ferreira; ou a FEN – Frente dos Estudantes Nacionalistas – mais salazarista; teve clubes de pensamento e reflexão, e até um grupo de teatro – A Oficina. Teve escritores, académicos, intelectuais, jornalistas, militantes, estudantes, combatentes; fez panfletos, furou greves, resistiu nas faculdades da década de 1965-74 à hegemonia de controlo do movimento associativo. E foi, em 1974-75, de onde veio a única resistência à descolonização.
Conheço bem esta história; fiz parte dela. Dos que lá estivemos, uns voltaram à politica depois de 1976, como o Francisco Lucas Pires e o José Miguel Júdice, outros continuaram no combate cultural, outros desistiram, alguns morreram.
Nestes movimentos estiveram conservadores, tradicionalistas, monárquicos, salazaristas, nacionalistas-revolucionários, fascistas. A trilogia nação, império, revolução pode servir-lhe de denominador: a nação e o império – e a ideia de transformar o império em nação – foram símbolos e valores de todos e estiveram na origem da vinda da maioria para a acção política. Já a revolução foi atributo dos que então se distanciaram do Estado Novo e buscaram inspirações em movimentos do passado, como o fascismo revolucionário de 1920 ou o falangismo de José António. Era a sua terceira via.
Éramos assim. Como as esquerdas radicais, vivemos intensamente os combates políticos da nossa época e, bem longe dos estereótipos de senhoritos reaccionários ou de caceteiros do regime, pensamos e lutamos por ideias de integração nacional e justiça social. Que hoje podem parecer utópicos, mas na época nos surgiram como a alternativa ao que estava e àquilo que vinha.

Jaime Nogueira Pinto
Professor universitário

Poetas & Trovadores [Janeiro/Março 2010]

Império, Nação, Revolução As direitas radicais portuguesas no fim do Estado Novo (1959-1974)

Riccardo Marchi é um jovem investigador italiano (n. Pádua, 1974). No ano 2000 licenciou-se com uma tese sobre o Estado Novo e o Fim do Império Português (1945-1975). Continuou a interessar-se pela dinâmica das direitas radicais no fim do Estado Novo, tema que em 2005 acolheu para tese de doutoramento no ISCTE. Desde Abril de 2008 é investigador de pós-doutoramento no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, retomando o projecto das direitas radicais na democracia portuguesa.
Nestas 440 páginas, resumo da tese de doutoramento, condensa figuras e pensamentos de muitos políticos e ideólogos do Estado Novo que colocaram todas as suas energias a defender as ideias do estado-novismo. Alfredo Pimenta, João Ameal, Fernando Pacheco Amorim, Caetano Beirão, António José de Brito, Fernando Campos, Amândio César, João Bigotte Chorão, Freitas da Costa, Guilherme Braga da Cruz, Rodrigo Emílio, Pinharanda Gomes José Miguel Júdice, Luís Amado, Goulart Nogueira, Jaime Nogueira Pinto, Lucas Pires, António da Cruz Rodrigues, Vítor Manuel de Aguiar e Silva e António M. Couto Viana são alguns dos autores portugueses citados. Mas cita também muitos tratadistas estrangeiros. Um trabalho notável deste jovem docente e investigador que conhecemos pessoalmente em Guimarães, onde veio beber nas obras de Alfredo Pimenta. Teve a gentileza de também mencionar o nosso projecto de investigação sobre Alfredo Pimenta: da práxis Libertária à doutrinação nacionalista. Texto Editores, Novembro de 2009.

Barroso da Fonte

Ler - Livros e Leitores [01-02-2010]

Império, Nação, Revolução. As Direitas Radicais Portuguesas no Fim do Estado Novo (1959-1974)

Riccardo Marchi

Ainda que não de uma forma completa e sistemática, desde há alguns anos que têm vindo a ser revelados elementos que permitem conhecer a formação, os comportamentos e os destinos da esquerda radical na fase final do salazarismo e sobretudo durante o período marcelista. O seu papel activo e, à época, razoável e crescentemente alargado no interior do movimento estudantil, tem contribuído para o reconhecimento dessa imagem. Já a observação da direita radical ao longo do mesmo lapso de tempo se manteve quase inteiramente por fazer, em grande parte porque ela materializou o lado vencido da nossa História recente, e também porque, à época, a sua dimensão e visibilidade eram de facto bastante reduzidas. Todavia, elas materializaram um espaço significativo de resistência à própria agonia do regime, propondo de certo modo um retorno às suas origens, à ideia de Império e ao espírito e forma de um certo «Portugal Eterno». Este livro de Riccardo Marchi (n. 1974), constituindo a parte central da sua tese de doutoramento defendida no ISCTE, vem colmatar a lacuna e, ao mesmo tempo, revelar um trajecto bem mais activo e diversificado do que aquele que muitos de nós, baseados apenas na memória dos anos terminais do Estado Novo, poderíamos conhecer. [Texto Editores, 440 págs.]

Jornal de Negócios [31-12-2009]

Histórias de uma outra Direita no Estado Novo

Durante as últimas décadas do regime do Estado Novo surgiram uma série de movimentos que tentaram repensar o lugar da direita em Portugal. Este é um bom estudo sobre o tema.


Durante os anos de Salazar muitos supuseram que o seu pensamento político, económico, social e cultural era quase hegemónico na sociedade portuguesa. Exceptuando a esquerda ilegalizada, não haveria oxigénio para se respirar. Riccardo Marchi, neste excelente estudo sobre as “direitas radicais portuguesas no fim do Estado Novo (1959-1974)” mostra como dentro do bloco social que apoiava o regime, emergiram diferentes correntes politicas e ideológicas que não alinhavam com o conceito central do Estado Novo lapidado por Salazar. Não se fala aqui muito de Rolão Preto ou mesmo do pensamento que António Ferro fomentou quando esteve à frente da propaganda do regime, mas sim de várias gerações que até ao 25 de Abril tentaram abrir novos caminhos dentro do sector conservador nacional.
Há momentos francamente interessantes como o dos do grupo que se juntou á volta da revista “Tempo Presente”. Quando esta analisa o fenómeno dos “teddy-boys”, como os jovens rebeldes das periferias londrinas dos anos 50, o grupo é acusado pela direita conservadora d Estado Novo de ter as mesmas ideias, sobretudo pela irreverência das suas criticas e pela exaltação fascizante das suas prosas”, como escreve Marchi.
A este grupo não lhe agrada o conceito corporativo do Estado Novo e a sua afeição transfere-se antes para a órbita do integralismo lusitano. A diferença é crucial, escreve o autor: “O homem, para os jovens neofascistas, é um animal político, cuja dimensão natural é a comunidade radicada na história e nas tradições, isto é, na nação. Só nesta faz sentido falar de liberdade do homem. Sendo que na concepção fascista, o Estado é a nação politicamente organizada, a consequência é que o homem é apenas livre dentro do Estado, não podendo reivindicar nada fora e contra o Estado”.
Riccardo Marchi segue, ao longo das páginas, outros grupos que foram emergindo no meio do regime, uns com o pensamento mais estruturado, outros com interesses mais ambíguos. O pensamento sobre a nação, sobre a integração na Europa (e em que estilo de Europa, como é notório na confusão que sobreveio à vinda a Portugal de Jean Thiriart em 1966, que defende uma Europa unida, que não é a da futura UE) e sobre a ligação a África é muito interessante para ver as convulsões dentro das juventudes do regime. Pelo caminho vamos encontrando nomes conhecidos: Vasco Lourinho, Jaime Nogueira Pinto, Francisco Lucas Pires, João Bigotte Chorão, José Miguel Júdice.
A partir de meados dos anos 60 o grupo de Valle de Figueiredo antevê onde o regime começa a perder a guerra: no combate cultural e das ideias.
Ao longo das páginas são referenciadas muitas actividades destes grupos entre Lisboa e Coimbra (especialmente) e que acabam por ter uma forte implantação no meio universitário.
É curioso como o autor analisa o encontro entre estes jovens e Salazar: “Salazar não era um revolucionário, não era um fascista, não era um chefe das massas, não era um líder carismático à maneira dos anos 30 e, por isso, não podia ser o mito e a referência máxima para estes jovens radicais. Contudo em 1961, Salazar toma, sem vacilar, a posição da defesa incondicional da África portuguesa, realçando, aos olhos dos nacionalistas, o seu nível de estadista face aos indecisos da situação e aos inimigos da comunidade internacional. Aqui deve ser procurado o “salazarismo” do nacionalismo radical”. Este livro acaba por ser uma fonte ideal para entendermos melhor a derrota cultural da direita portuguesa a partir da década de 60. E da qual ainda não conseguiu sair. Mas é sobretudo um muito bom estudo de um sector que, nalguns casos, viria a ter um papel forte na vida política nacional.

Fernando Sobral

Sábado [11-02-2010]

Jornal de Leiria [31-12-2009]


Badaladas [08-01-2010]

Império, nação, revolução

Neste livro, inédito sobre esta temática, Riccardo Marchi conta-nos a história política e cultural deste pequeno segmento, decisivos nos confrontos ideológicos da fase final do Estado Novo. Conforme se pode ler no prefácio de António Costa Pinto, estes «vencidos» não estavam «dispostos a sacrificar, com a agonia do regime, o eixo central do seu próprio imaginário colectivo: o Império, espírito e forma do “Portugal eterno”.» A obra trata, de forma directa e acessível, um contexto e um movimento político singulares na nossa história. Riccardo Marchi nasceu na cidade italiana de Pádua em 1974, onde cursa na Faculdade de Ciências Políticas. Em 2000, licencia-se com uma tese sobre o Estado Novo e o fim do império português (1945-1975). Durante as investigações em Portugal, interessa-se pela dinâmica dos movimentos radicais no fim do Estado Novo, tema que, em 2005, se torna em definitivo o seu projecto de doutoramento em História. É investigador de pós-doutoramento no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, com um projecto sobre as direitas radicais na democracia portuguesa. “Império, Nação, Revolução: as direitas radicais Portuguesas no Fim do Estado Novo (1959-1974)” é uma obra publicada pela Texto Editora.

Vidas Alternativas [3-02-2010]

As direitas radicais portuguesas no fim do Estado Novo

Fonte: http://va.vidasalternativas.eu/

O Estado Novo de Salazar e Caetano conhece na década de 60 uma evolução tumultuosa, decorrente das eleições de 1958, da contestação do colonialismo à esfera internacional e nacional, da reorganização das oposições, da movimentação estudantil das várias famílias da esquerda, de um processo de desenvolvimento que vai afastando progressivamente o regime dos diferentes ideários a que se propusera dos anos 30 em diante. No fundo, uma mudança dramática da modernização da economia e da sociedade e a escalada das frentes africanas que foram erodindo o regime, lançando-o no ocaso. “Império, Nação, Revolução, As Direitas Radicais Portuguesas no Fim do Estado Novo (1959-1974) ” é um livro precioso – pelo rigor e abrangência – para compreender o comportamento da extrema-direita mais ou menos neofascista, em Portugal, quais as suas forças motrizes ideológicas, as suas motivações imperiais, quais as suas relações com as estruturas do mando ao tempo de Salazar e Caetano (por Riccardo Marchi, Texto Editores, 2009). A primeira manifestação estudada pelo investigador é a revista Tempo Presente, impulsionada por discípulos de Alfredo Pimenta, um intelectual de referência dos neofascistas (Pimenta tem uma esclarecedora correspondência trocada com Salazar, que permite perceber como o ditador era muito sensível às suas mensagens). Intelectuais da direita radical como Amândio César, António José de Brito, Fernando Guedes, Couto Viana e Goulart Nogueira convergem para o projecto da revista Tempo Presente. O regime, através do SNI, irá financiar a revista. A publicação revelará qualidade, pauta-se pelos ideais nacionalistas, entrará mesmo nalguma colisão com os sustentáculos do regime que, no Verão de 1961, levarão à sua extinção. A Tempo Presente era uma publicação cultural com uma relativa abertura: revelou o abstraccionismo geométrico do pintor Fernando Lanhas, a poesia experimental, as vanguardas poéticas anglo-saxónicas, do mesmo modo que retomou os mitos do fascismo como Ezra Pound ou Drieu La Rochelle e Robert Brasillach. Não se escondia a defesa do Estado totalitário, o corporativismo e fazia-se a contestação política do que se passava na Europa do pós-guerra, advogando-se um nacionalismo de carácter universalista como se supunha ser o português, denominado a Euráfrica. A Europa é que estava em crise, a sua raça branca perdera o sentido de missão. A questão colonial irá envolver a Tempo Presente, os seus editores irão apoiar as decisões de Salazar, no início de 1961. A revista participa em vários eventos e entrará em polémicas com os meios monárquicos e com ortodoxia do regime. Alguns destes nacionalistas radicais, como António José de Brito, revelam-se teóricos verrinosos, alertam para os perigos que assediam o catolicismo, o personalismo cristão, a abertura democrática, a tolerância liberal. Brito irá revelar-se indiscutivelmente um teórico com produção autónoma em torno do nacionalismo, definindo-o sem hesitar como antiliberal, antidemocrático, anti-partidário, adepto da homogeneidade racial e anti-semita. Assim, vai-se caminhando para o conceito imperial que é o suporte do Portugal do Minho a Timor. Importância menor teve a criação do Centro de Estudos Alfredo Pimenta, fundado em 1972. Para ele convergem figuras da outra geração como João Ameal e Amândio César, António José de Brito, Fernando Guedes, entre outros. É uma referência para o meio neofascista, nele irão intervir figuras como David Gagean, Manuel Múrias, Artur Anselmo, colaboracionistas fascistas franceses, entre outros. O Movimento Jovem Portugal marca, no início dos anos 60, a ascensão de um nacionalismo revolucionário desta nova geração, liderado por Zarco Moniz Ferreira. Os promotores deste Movimento atacam as Nações Unidas e a sua política de descolonização, criam a revista Ofensiva (sempre com ligações ao neofascismo europeu), recebem apoios da Legião Portuguesa e de altos dirigentes da PIDE, Zarco vive constantemente em fricções com os outros elementos da direcção. Aparece depois uma outra publicação, Ataque, que não terá projecção, e o movimento envolve-se em contenda com os grupos de esquerda em meios universitários, assaltando mesmo a Sociedade Portuguesa de Escritores, depois da atribuição de um prémio a Luandino Vieira. Os problemas do Jovem Portugal serão infindáveis, até porque Zarco vai propor o Nacional-Sindicalismo (cópia das doutrinas de Primo de Rivera) como a única oportunidade face ao marxismo e ao capitalismo. O que na verdade se estava a passar era os neofascistas sentirem a abertura do regime de Salazar ao capitalismo internacional como tentativa de modernização, o que eles consideravam intolerável. Mais próximo do regime estava a FEN – Frente dos Estudantes Nacionalistas, que também teve uma história curta e que implodiu por incapacidade de diálogo entre as suas facções. O regime queria organizações nacionalistas respeitáveis susceptíveis de atrair a massa estudantil apolítica e à PIDE interessava uma organização operativa até com capacidade para recolher informações no ambiente estudantil. Outra organização que surgiu ao tempo das lutas emancipalistas em Angola foi o Jovem Europa, copiado de uma experiência belga e que constituía numa proposta de um nacionalismo revolucionário europeu capaz de conter as superpotências instaladas no Continente. Todos estes grupos tiveram más relações entre si, agrediam-se nas suas publicações e nunca foram capazes de estabelecer em concreto uma plataforma ideológica. Coimbra constituiu um caso aparte no fenómeno nacional-revolucionário. É no meio académico que nasce a revista Combate a que está ligado Valle de Figueiredo, nome importante do neofascismo português, colaborador das revistas 57, Cidadela e Itinerário, esta, dirigida, entre outros, por João Conde Veiga, autor de uma poesia importante para estes neofascistas:

Não fugi à guerra, não fui para Paris,
Não fugi da terra, não traí o povo,
Eu fui ao combate debaixo do sol
E voltei de novo

Posso aquecer-me com o sol mais quente,
Que me enche as veias, vinho de raiz,
Não se vai à guerra e volta de novo
Sem se sentir dentro a voz do país.

Riccardo Marchi explica detalhadamente toda a luta do movimento associativo coimbrão, nas diferentes fases da crise académica, e revertendo sempre para a noção de Império, questão central destes movimentos neofascistas. Após identificar um conjunto de organizações menores da direita radical, o autor detém-se no semanário Agora, igualmente subsidiado pelas forças do regime. O anti-semitismo e o antiamericanismo vão ser duas constantes do jornal, várias vezes suspenso pela censura, Salazar não aceitava este excesso de críticas. Em Coimbra, os neofascistas ganham novo alento com o aparecimento de dirigentes mais jovens como José Miguel Júdice, Cruz Vilaça e Lucas Pires. Igualmente a vida deste movimento é pormenorizada tal como a revista Cidadela e o Centro de Estudos Sociais Vector, este de âmbito mais alargado e com sede em Lisboa. No fim da década de 60 surge a revista Política cujo director será Jaime Nogueira Pinto, sempre com apoios do regime (por exemplo, assinaturas feitas pela PIDE/DGS). “Política” procura um grande arco político do nacionalismo português, apresenta-se como uma frente nacional fiel ao Ultramar, contestará a tendência liberal de Caetano e os seus projectos da reorganização ultramarina, com certa tinta emancipadora. Com tónica menor, o autor regista ainda como expressões das direitas radicais o Movimento Vanguardista e o periódico Vanguarda (financiados pela PIDE) e finalmente o I Congresso dos Combatentes, a última batalha dos nacionais-revolucionários. Este valioso estudo de Riccardo Marchi permite captar em cheio o que foram as minorias em que se organizaram as direitas radicais e como, de um modo geral, estabeleceram um relacionamento equivoco com os regimes de Salazar e Caetano. Tiveram poucos ideólogos de grande mérito, a sua grande maioria desapareceu ou está agora inactiva. Na ribalta, devidamente reciclados, estão José Miguel Júdice e Jaime Nogueira Pinto. O que os uniu sempre foi um princípio intransigente, o de nunca querer sacrificar o Império, espírito e forma do “Portugal eterno”.

Mário Beja Santos

Lançamento...foi a 25 de Fevereiro


Lançamento (II)

Os desacatos do Teatro Capitólio (Março 1960)

Recebo e publico um interessante testemunho directo de uma pessoa que esteve presente, como espectadora, no Teatro Capitólio, aquando da contestação anti-comunista encetada pelo grupo de Caetano de Melo Beirão e relatada na p.26 do livro. O espírito do blog é mesmo este: estimular a memória dos protagonistas para corrigir a pena do historiador…

[...] notei que na página 26, quando se refere ao incidente que marcou a representação (que não chegou a realizar-se) da peça "A Alma Boa de Setsuan" pela companhia de Maria della Costa a sua informação não está correcta em relação ao que se passou.
Eu tinha 18 anos, tenho ainda muito boa memória, exercitada por 30 anos de [...] leitura sobre História e História de Arte, estava na sala do Teatro onde era suposto realizar-se a representação da peça, e tendo conferido os meus dados com os de outras pessoas presentes também, posso afirmar que o que se passou foi:
O primeiro actor entra em cena e diz: Eu sou Wang, aguadeiro. Imediatamente começou uma incrível barulheira vinda das primeiras filas e a polícia entrou e parou o espectáculo. Os manifestantes sabiam que pela lei portuguesa da época um espectáculo onde há uma desordem é encerrado, e conseguiram o seu fim. A sequência do incidente é que não é exactamente como aparece na página 26 do seu livro. Fomos todos convidados a abandonar a sala e a peça não só não foi representada, como (segundo soubemos depois) a Companhia de Maria della Costa foi acompanhada à fronteira e expulsa de Portugal. Acredito que os manifestantes tenham ido até à polícia (não sei), mas estou certa que foram muito aplaudidos por um Governo que nunca foi contra eles e deve ter agradecido a oportunidade de impedir a representação de uma peça que a censura teria deixado passar por ignorância do conteúdo.

Sinopse

Riccardo Marchi, neste excelente livro, conta-nos a história política e cultural deste segmento político e cultural, pequeno mas decisivo nos confrontos ideológicos da fase final do Estado Novo. Destes «vencidos» que - e cito as suas palavras finais - não estavam «dispostos a sacrificar, com a agonia do regime, o eixo central do seu próprio imaginário colectivo: o Império, espírito e forma do "Portugal Eterno".»

Império, Nação, Revolução de Riccardo Marchi

O AUTOR

Riccardo Marchi nasceu na cidade italiana de Pádua em 1974, onde cursa na Faculdade de Ciências Políticas.

Nos anos da Universidade amadurece os seus interesses no campo do pensamento político e dos movimentos radicais, principalmente os de cariz nacional-revolucionário, neofascista e de direita radical.

Em 2000, licencia-se com uma tese sobre o Estado Novo e o fim do império português (1945-1975).

Durante as investigações em Portugal, interessa-se pela dinâmica dos movimentos radicais no fim do Estado Novo, tema que, em 2005, se torna em definitivo o seu projecto de doutoramento em História, no Instituto Superior de Ciências do Trabalho e da Empresa (ISCTE), sob a orientação do Professor António Costa Pinto.

Os principais capítulos da sua tese de doutoramento, defendida em Março de 2008, são agora apresentados no livro “Império, Nação, Revolução”.

Desde Abril de 2008 que é investigador de pós-doutoramento no Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, com um projecto sobre as direitas radicais na democracia portuguesa.

O Livro

Império, Nação, Revolução
As Direitas Radicais Portuguesas no Fim do Estado Novo (1959-1974)

de Riccardo Marchi

Editora: Texto Editores
PVP c/IVA: 16,90 €
Data de Capa: 2009/10/26
Formato: 23,5 x 15,6
Suporte: Livro
Páginas: 440
ISBN: 9789724740560









ÍNDICE DETALHADO


PREFÁCIO [pp. 13-14]

CAPÍTULO I: A revista Tempo Presente (1959-1961) [pp. 15-42]
  • Os anos 50 para a direita radical
  • O projecto da Tempo Presente (1959-1961)
  • A mensagem para os jovens: entre romantismo fascista e nova cultura
  • Corporativismo totalitário para um Estado totalitário
  • Os mitos: Europa, Império, Universalidade
  • A questão colonial europeia e o eclodir da Guerra do Ultramar
CAPÍTULO II: A maturação doutrinária dos jovens intelectuais radicais [pp. 43-70]
  • I Semana de Estudos Doutrinários (1959)
  • Para além do nacionalismo para o Universalismo fascista
  • Para um nacionalismo neofascista
  • Da ideia nacional à ideia imperial
  • As reacções do nacionalismo monárquico
  • Centro de Estudos Alfredo Pimenta
CAPÍTULO III: As direitas radicais em Lisboa nos anos 60 [pp. 71-136]

  • Movimento Jovem Portugal
  • Crescimento e declínio de MJP
  • Os contrastes com o Regime
  • Questões de identidade: um controverso neofascismo
  • As tentativas de diferenciação do Estado Novo
  • Os inimigos
  • O Nacional-Sindicalismo de Jovem Portugal
  • Contra a estrutura económica do Estado Novo
  • Europa e Euráfrica
  • Frente dos Estudantes Nacionalistas
  • A actividade da FEN
  • Uma identidade nacionalista pouco revolucionária
  • Jovem Europa
  • Jean Thiriart em Portugal
  • As reacções à conferência e as relações com o Regime
  • As relações com o meio nacional-revolucionário
CAPÍTULO IV: Coimbra nacional-revolucionária nos anos 60 [pp. 137-166]
  • A situação no final dos anos 50
  • O grupo de Combate na primeira metade dos anos 60
  • O jornal Combate
  • O novo tema do complô mundialista
  • Combate e a crise académica de 1962
CAPÍTULO V: As organizações menores da direita radical nos anos 60 [pp. 167-188]
  • Frente Nacional Europeia do Trabalho (FNET)
  • Real União Portuguesa (RUP)
  • O predecessor da RUP: Movimento Juventude Monárquica (MJM)
  • Fundação e estrutura da RUP
  • O percurso ideológico
  • Frente Nacional Revolucionária
  • A identidade da FNR
  • As relações internacionais da FNR
CAPÍTULO VI: O semanário Agora (1961-1969) [pp. 189-204]
  • A gestão O’Neill: a voz da direita “caceteira”
  • O naufrágio nas intrigas palacianas
  • A gestão dos neofascistas
  • Os nacionais-revolucionários frente a Marcelo Caetano

CAPÍTULO VII: Coimbra nacional-revolucionária nos primeiros anos 70 [pp. 205-294]
  • O limbo do nacionalismo radical (1964-1969)
  • Coimbra 1969: das eleições à crise académica
  • A crise académica de Coimbra de 1969: renascença nacional-revolucionária
  • A frente comum em defesa da tradição académica
  • O Secretariado Organizador da Acção e Coordenador dos Grupos de Estudo da Universidade
  • Orfeón Académico de Coimbra
  • O posicionamento nos anos 60
  • A partir da crise de 1969, baluarte do nacionalismo radical
  • Oficina de Teatro da Universidade de Coimbra (OTUC)
  • Os primeiros ataques do Movimento Estudantil
  • Os confrontos de 9 de Maio de 1970
  • Sociedade Cooperativa Livreira Cidadela
  • A actividade cultural da Cooperativa
  • Os contactos com as outras organizações nacionalistas
  • O Centro de Estudos Sociais Vector (CESV)
  • Programa: Associação de Estudos para o Progresso Nacional
  • O fim da Cidadela
  • Uma identidade nacional-revolucionária heterodoxa
  • A re-leitura de José António, entre os clássicos e a nova cultura
  • O Fórum da Juventude Nacional Revolucionária e a socialização
  • Um terceiro-mundismo nacionalista e revolucionário
  • As siglas sombras do neofascismo: instrumento da contra-subversão
  • Associação Nacional Socialista Académica
  • Uma galáxia neofascista inexistente
  • A opinião do Movimento Estudantil e da PIDE

CAPÍTULO VIII: A revista Política (1969-1974) [pp. 295-322]
  • A fundação da revista
  • A componente nacional-revolucionária
  • Política, as eleições de 1969 e a Ala Liberal
  • Em Política, Salazar versus Caetano
  • Para além da direita situacionista
  • Política, a ideia de Europa e a geopolítica
  • Política e a censura marcelista
CAPÍTULO IX: Lisboa nacional-revolucionária nos primeiros Anos 70 [pp. 323-382]
  • O Movimento Vanguardista: as origens na Mocidade Portuguesa
  • A reforma da Mocidade Portuguesa e o protesto dos “graduados”
  • Movimento Vanguardista: fundação, estrutura, acção
  • As relações internacionais do Movimento Vanguardista
  • Os XXV pontos do vanguardismo
  • Vanguarda órgão nacional do Movimento Vanguardista
  • Lisboa no princípio dos anos 70
  • Movimento Nacionalista do Ensino Secundário
  • Organização, linha política e entrada na área nacional-revolucionária
  • O Movimento Nacionalista sobrevive ao 25 de Abril
  • A última batalha: o «I Congresso dos Combatentes»
  • Os nacionais-revolucionários na organização do Congresso
  • Os nacionalistas revolucionários afastados do Congresso
CONCLUSÕES [pp. 383-408]
  • Um nacionalismo radical sem passado
  • A tipologia das organizações radicais
  • A tipologia da militância radical
  • As relações entre área radical e Estado Novo
  • Activismo e Mobilização
  • O contributo do radicalismo português à subcultura neofascista
FONTES E BIBLIOGRAFIA [pp. 409-428]

ÍNDICE ONOMÁSTICO [pp. 429-440]

Teste

Teste

O Diabo [09-02-2010]

Uma história ainda por fazer

Rompendo o silêncio que tem caído, como uma cortina de ferro, sobre os movimentos nacionalistas portugueses do século XX, Riccardo Marchi publicou há pouco “Império, Nação, Revolução” – uma obra de sabor académico com 400 páginas (Texto Editora, 17 euros).
À primeira vista, estamos perante um estudo exaustivo das organizações “nacional-revolucionárias, neofascistas e de direita radical” actuantes no nosso País entre 1959 e 1974. Mas só à primeira vista. De facto, este livro abre inúmeros caminhos de investigação, mas pela sua superficialidade não passa de um índice para um verdadeiro trabalho histórico que está ainda por fazer.
Riccardo Marchi, um voluntarioso investigador de 36 anos de idade, faz a sua licenciatura em Pádua com uma tese sobre o Estado Novo português e dai lhe veio a ideia de um doutoramento no ISCTE sobre a direita revolucionária portuguesa, de que este livro é a súmula.
Mas as suas opções de fundo são questionáveis. Desde logo, porque iniciar o seu estudo em 1959? Faria muito mais sentido uma boa introdução sobre o pensamento nacionalista português do século XX (incluindo a Cruzada Nun’Álvares, o Integralismo Lusitano, o Nacional-Sindicalismo, a Legião Portuguesa e a Mocidade Portuguesa), iniciando-se a narrativa no muito mais marcante ano de 1946, quando Caetano de Melo Beirão, Amândio César e António José de Brito iniciam a sua colaboração na “Mensagem”.
Em vez disso, Marchi envereda por um estudo cómodo sobre as publicações dos movimentos da Direita revolucionária – isto é, apenas sobre o material impresso -, necessariamente pontuado por longas citações e sem nos dar conta da “vida real” desses movimentos. Frequentes remissões para trabalhos dos autores esquerdistas Fernando Rosas e António Costa Pinto não ajudam a uma compreensão “por dentro” do tema da sua tese.
É certo que pelas páginas de “Império, Nação, Revolução” passam as publicações “Tempo Presente”, “Agora”, “Cidadela”, “Combate”, “Via Latina” e “Política”, o Circulo de Estudos Alfredo Pimenta, o Movimento Jovem Portugal, a Frente dos Estudantes Nacionalistas, o Movimento Jovem Europa e grupos de combate como os “Centuriões” e os “Viriatos”, mas tudo num registo tipo “relatório de ocorrências”, sem alma e sem chama. De um tema empolgante, o autor consegue fazer uma monumental maçada cronológica, a que não faltam erros factuais e inexactidões linguísticas. A começar pelo inaceitável “serrar fileiras” da primeira página do texto – erro crasso de que encontramos inúmeros cambiantes, ao longo do livro, e exigir revisão de mestre-escola.
Apesar de todos os “senão”, o trabalho de Marchi abre caminho na floresta virgem que é o tema da Direita Portuguesa. Falta agora vir alguém que, a partir deste “menu”, faça realmente História.