Um antigo militante da Cidadela de Coimbra deu-me, anos atrás, o autocolante “Make War With Love” (Foto) que os militantes nacional-revolucionários costumavam colar nos seus carros nos primeiros anos 70. Na altura achei engraçado o slogan, apesar de não ter dado muita importância ao documento.
Assim, chamou-me a atenção um artigo do Diário de Lisboa de Outubro de 1975 que encontrei há uns dias e que evidencia como aquele slogan não era fruto da fantasia de uns estudantes nacionalistas, mas algo mais interessante. Nunca tinha ouvido falar da central de contra-informação que gerou o slogan, razão pela qual reproduzo por inteiro o texto dos dois artigos do Diário de Lisboa, alertando para a parcialidade do jornal em 1975, mas deixando assim pistas por quem queira aprofundar ou, tendo já informações, corrigir e explicar.
Lembram-se do “slogan”?
C.D.I.: Make War With Love.
Ten-coronel Ferreira da Cunha era um dos responsáveis.
Fonte: Diário de Lisboa, 28.10.1975, pp.1-2
Sob o título Marcelo Caetano criou uma super-pide? Está «O Século» a publicar uma série de artigos em que se diz que «sob a sigla C.D.I. (Centro de Documentação Internacional) funcionou durante o regime de Marcelo Caetano, e a seu pedido, um organismo encarregado de, a nível nacional, coordenar com vistas à guerra psicológica todos os dados e informações fornecidas pela P.I.D.E./D.G.S., Legião Portuguesa e outras estruturas do fascismo».
O nosso confrade descreve, em seguida, a formação desse Centro e nomeia alguns dos seus responsáveis. Podemos acrescentar, contudo, alguns detalhes à descrição e alguns nomes à lista desses responsáveis. Sobretudo, um, o mais importantes, justamente pelas funções que actualmente exerce: o tenete-coronel José Luís Ferreira da Cunha, secretário de Estado da Informação!
Em princípios de 1970, e sob a designação de Comissão interministerial de acção psicológica (C.I.), que propositadamente nada elucida, foi constituído um grupo destinado a estudar e a propor soluções em função de uma linha de preocupação expressa por sua excelência o presidente do Conselho, em reunião do Conselho Superior de Defesa Nacional: necessidade de esclarecimento, propaganda e acção psicológica, frisando:
- o prestigio das Forças Armadas, da ordem e das instituições;
- a política de defesa do Ultramar». (De um relatório de PEREIRA DE CARVALHO, directorados Serviços de Informação da ex-PIDE/DGS, ao ministro do Interior).
Por proposta do CLEMENTE ROGEIRO, aprovada por MARCELO CAETANO, em 6 de Março de 1971, a C.I. passou a integrar os seguintes elementos:
Presidente: CLEMENTE ROGEIRO, depois GERALDES CARDOSO, em representação da Presidência do Conselho,
Delegados de: Defesa Nacional: Brig. Sacadura Moreira da Câmara, depois brig. Castro Ascensão;
Ministério do Interior: Parente de Figueiredo, pela L.P.; Pereira de Carvalho, pela PIDE/DGS; Ministério do Ultramar: Fialho Ponce; Ministério dos Negócios Estrangeiros: Bonifácio de Miranda; Ministério da Educação Nacional: Teixeira de Matos, que só assistiu a uma reunião, depois José Manuel de Sousa; Secretaria de Estado da Informação e Turismo: Luís Oliveira e Castro; Ministério das Corporações: Bigote Chorão, depois Joaquim Videira; Acção Nacional Popular: não chegou a indicar delegado;
A funcionar em colaboração com o C.I., estava uma outra Comissão, Comissão Orientadora de Contrapropaganda Radiofónica (C.O.R.), criada em 11 de Setembro de 1967, competindo-lhe o empastelamento das emissões do estrangeiro.
Pela proposta referida em 2, o C.D.I. tornou-se o Órgão técnico da Comissão Interministerial (O.T./C.I.).
O O.T./C.I. era constituído do seguinte modo:
José Manuel de Sousa, director; tem. Cor. José Luís Ferreira da Cunha; cap. Frag. Adriano Coutinho Lanhoso (em 1972 acumulava com o cargo de adjunto militar de Marcelo Caetano) e maj. Augusto Azevedo Batalha; Pereira de Carvalho (director dos serv. Inf., da PIDE/Dgs).
Estes elementos apoiavam-se em toda a estrutura do C.D.I. nomeadamente numa equipa constituída predominantemente por militares do Q.G.
Não vamos agora nomear todas as actividades deste grupo, citando apenas, entre elas, a elaboração dos diferentes tipos de relatórios de informações (RAREP, PERMEI, REPCORP, RELATÓRIOS SITUAÇÃO) com base em elementos provenientes da P.I.D.E./D.G.S., da L.P. e dos meios de Comunicação Social nacionais e estrangeiros.
Podemos acrescentar que num dos projectos saídos da pena do O.T./C.I., o Projecto da directiva nacional nº01/72 – Guerra psicológica – ano de 1972, aprovado em 15 de Fevereiro desse ano por Marcelo Caetano, se pode ler: «em guerra psicológica só interessam acções maciças com planeamento convergente, a longo prazo, e execução permanente, contínua e persistente. Assim, seria lógico que as acções centralizadas do C.I. pudessem dispor de num mínimo de cento e cinquenta a duzentos mil contos…» Só! Para guerra psicológica. A guerra do tem. Cor. Ferreira da Cunha, actualmente secretário de Estado da Informação do VI Governo provisório. As voltas que o mundo dá! Ou a coerência oculta de certas nomeações…
Passamos a citar certas passagens do artigo do jornal «O Século».
«Tinha nesta altura o C.D.I. por missão o esclarecimento, a propaganda e a acção psicológica com dois objectivos e duas ideias-força fundamentais: prestigio das forças armadas, da Ordem e das instituições, politicas de defesa do Ultramar. Em1971 a Propaganda Psicológica do regime fascista estabelecia que a propaganda se deveria desenvolver através dos meios de difusão legais (TV, rádio, jornais, cinema e outros), e clandestinos como C.D.I. e a D.G.S.
«Os objectivos claros desta política tinham por fim apoiar o Governo fascista na sua intenção de conduzir a defesa psicológica da sociedade portuguesa, exercendo um esforço coordenado com todos os meios e organismos disponíveis, no sentido de garantir os grandes objectivos nacionais, facilitando ao Governo a sua realização.
«A contra-propaganda devia ter uma finalidade: contrabater o pacifismo, defendendo o «ideal» de «luta pela paz», ou seja, a guerra do Ultramar, seria uma guerra «imposta» do exterior e as forças portuguesas «agredidas» lutavam não por que quisessem a guerra, mas para instaurar a paz».
A título de exemplo, o nosso camarada «O Século» diz-nos que «a contrapropaganda fascista se atacava ao «slogan» «Make love not War» por intermédio do «slogan» «Make war with love»…»
A SUPER-P.I.D.E.
«O trabalho do Centro de Documentação Internacional era o fruto de um laborioso e metódico trabalho de informação e coordenação de outros relatórios. Neste sentido e segundo a mesma fonte «o C.D.I. era uma supe4r-P.I.D.E. pela sua capacidade operativa, pela sua visão conjuntural sobre a situação da sociedade portuguesa».
«Para cúmulos dos cúmulos o tenente da Guarda Nacional Republicana José Alberto Gouveia de Barros ex-responsavel do C.D.I. foi encarregado após o 25 de Abril de extinção do mesmo organismo…Como é lógico este senhor acabou por participar no golpe do 11 de Março tendo sido um dos responsáveis pela segurança de Spínola.
Também o antigo ministro da Educação, Veiga Simão, se encontrou intimamente ligado à formação do Centro de Documentação Internacional. Não é de esquecer que Veiga Simão foi nomeado – após o 25 de Abril – embaixador de Portugal na ONU. Esta nomeação tinha sido feita por Spínola e pelo Ministro dos Negócios Estrangeiros, desta altura, Mário Soares.
Refere ainda o «Século», o caso de uma mensagem do general Costa Gomes dirigida às Forças Armadas em que as instruções pormenorizadas aos órgãos de Informações emitidas pelo Ministério da Comunicação Social, possuíam um carácter notoriamente manipulador e digno do tipo «lavagem ao cérebro».
O C.D.I. teve durante o fascismo uma ajuda económica extremamente consequente. As verbas encaminhadas para o C.D.I. provinham do Ministério da Educação, do Plano do Fomento e de diversos Ministérios. Em 1972 e em 1973 as verbas fornecidas unicamente pela Junta de Acção Social andava à volta de 1.000 contos por ano. Segundo as averiguações realizadas após o 25 de Abril, tudo leva a crer que as verbas previstas por Marcelo Caetano para o funcionamento da C.D.I. (150 a 200 mil contos) tivessem ultrapassado o previsto.
C.D.I e P.I.D.E. faziam intercâmbio no sector no ensino
Fonte: Diário de Lisboa, 04.11.1975
A somar a uma rede de informadores que o C.D.I. já possuía no I.S.C.E.F. (Instituto Superior das Ciências Económicas e Financeiras), no Liceu Padre António Vieira, no Instituto Superior Técnico e na Faculdade de Medicina, Costa André, o secretário de Estado da Instrução e Cultura, em 1970 ou 1971, pediu á P.I.D.E./D.G.S. uma relação dos estudantes das três Universidades «potencialmente perigosas». Pedido satisfeito, os dados transitaram para o C.D.I.
O nosso colega «O Século» revela ainda que os vigilantes («gorilas») das faculdades passaram a colaborar na detecção de actividades estudantis.
Todas as informações sobre a Universidade eram bem pagas pelo M.E.N. a título de exemplo: José Manuel de Sousa director do C.D.I. faria bom dinheiro com os panfletos dos estudantes progressistas da Universidade, comprando-os a 10 escudos e recebendo por eles o dobro.
Informa ainda «O Século» da existência de um Secretariado de Informação e Propaganda Universitária (S.I.P.U.), orientado por José Luís Pechirra, subsidiado directamente pelo gabinete de Hermano Saraiva. Os Serviços Sociais da Universidade eram a cobertura do S.I.P.U.; a residência Monti Oliveti (destacadamente) um dos centros coordenadores das operações de recolha de propaganda antifascista a circular nos meios estudantis. Depois era dirigida para José Manuel de Sousa, director do C.D.I. O S.I.P.U. chegou mesmo a editar o boletim «Vértice» (cerca de meia dúzia de exemplares vieram a lume).
Continuando a socorrer-nos das informações de «O Século»: por volta do ano de 1969, ao acto da matrícula foi acrescentado o preenchimento de uma ficha destinada ao C.D.I., que servia para manter actualizado o «curriculum político» de cada estudante. Este ficheiro deve ter reunido ao todo cerca de 70.000 fichas de estudantes. Além deste havia um particularmente selectivo que recolhia elementos já existentes nos ficheiros da P.I.D.E.D.G.S., L.P., P.S.P., processos disciplinares, reitorias e outros recolhidos por colaboradores do C.D.I. Estabelecia-se assim o intercambio informativo entre C.D.I. e P.I.D.E./D.G.S.
No arquivo do C.D.I. trabalhava mesmo o agente da ex-P.I.D.E./D.G.S., Bernardino da Cunha Azevedo, responsável nesta organização pelo sector de escutas telefónicas e intercepção postal.
Ganhou tal força e capacidade interventiva a existência do C.D.I. que, não poucas vezes, interferiu na homologação ou não dos corpos gerentes das associações de estudantes e outros organismos associativos.