Como as esquerdas radicais, vivemos intensamente os combates políticos da nossa época. Pensamos e lutamos por ideias de justiça social.
“Império, Nação, Revolução. As Direitas Radicais Portuguesas no Fim do Estado Novo (1945-1974)”, de Riccardo Marchi, abre uma janela sobre uma terra quase incógnita da nossa historia próxima. Marchi nasceu em Pádua, em 1974. E por isso é um alien nesta paisagem, que vem olhar e contar. Mas trouxe cânones analíticos que faltam à intelectualidade indígena, que, seguindo a vulgata antifascista, arrumou indiscriminadamente todas estas “direitas” em “fascistas”, “reaccionários”, “extrema-direita” – os “maus” ou “vilões” da história.
A hegemonia política da esquerda há trinta e cinco anos faz com que as categorias políticas de esquerda e extrema-esquerda sejam estudadas e debatidas com algum rigor. Mas persiste a amálgama conceptual na área da direita, que, salvo raras excepções, ainda é contada pela esquerda.
Dai o mérito do livro de Marchi, que, além de estabelecer as distinções requeridas, procurou conhecer o pensamento, o sentimento, a história desta área. A galáxia aqui contada teve revistas, jornais, editoras – Tempo Presente, Combate, Via Latina, O Ataque, Política, Cidadela; teve movimentos de juventude – como o Jovem Portugal nacional-revolucionário, fundado pelo Zarco Moniz Ferreira; ou a FEN – Frente dos Estudantes Nacionalistas – mais salazarista; teve clubes de pensamento e reflexão, e até um grupo de teatro – A Oficina. Teve escritores, académicos, intelectuais, jornalistas, militantes, estudantes, combatentes; fez panfletos, furou greves, resistiu nas faculdades da década de 1965-74 à hegemonia de controlo do movimento associativo. E foi, em 1974-75, de onde veio a única resistência à descolonização.
Conheço bem esta história; fiz parte dela. Dos que lá estivemos, uns voltaram à politica depois de 1976, como o Francisco Lucas Pires e o José Miguel Júdice, outros continuaram no combate cultural, outros desistiram, alguns morreram.
Nestes movimentos estiveram conservadores, tradicionalistas, monárquicos, salazaristas, nacionalistas-revolucionários, fascistas. A trilogia nação, império, revolução pode servir-lhe de denominador: a nação e o império – e a ideia de transformar o império em nação – foram símbolos e valores de todos e estiveram na origem da vinda da maioria para a acção política. Já a revolução foi atributo dos que então se distanciaram do Estado Novo e buscaram inspirações em movimentos do passado, como o fascismo revolucionário de 1920 ou o falangismo de José António. Era a sua terceira via.
Éramos assim. Como as esquerdas radicais, vivemos intensamente os combates políticos da nossa época e, bem longe dos estereótipos de senhoritos reaccionários ou de caceteiros do regime, pensamos e lutamos por ideias de integração nacional e justiça social. Que hoje podem parecer utópicos, mas na época nos surgiram como a alternativa ao que estava e àquilo que vinha.
Jaime Nogueira Pinto
Professor universitário
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