Os desacatos do Teatro Capitólio (Março 1960)

Recebo e publico um interessante testemunho directo de uma pessoa que esteve presente, como espectadora, no Teatro Capitólio, aquando da contestação anti-comunista encetada pelo grupo de Caetano de Melo Beirão e relatada na p.26 do livro. O espírito do blog é mesmo este: estimular a memória dos protagonistas para corrigir a pena do historiador…

[...] notei que na página 26, quando se refere ao incidente que marcou a representação (que não chegou a realizar-se) da peça "A Alma Boa de Setsuan" pela companhia de Maria della Costa a sua informação não está correcta em relação ao que se passou.
Eu tinha 18 anos, tenho ainda muito boa memória, exercitada por 30 anos de [...] leitura sobre História e História de Arte, estava na sala do Teatro onde era suposto realizar-se a representação da peça, e tendo conferido os meus dados com os de outras pessoas presentes também, posso afirmar que o que se passou foi:
O primeiro actor entra em cena e diz: Eu sou Wang, aguadeiro. Imediatamente começou uma incrível barulheira vinda das primeiras filas e a polícia entrou e parou o espectáculo. Os manifestantes sabiam que pela lei portuguesa da época um espectáculo onde há uma desordem é encerrado, e conseguiram o seu fim. A sequência do incidente é que não é exactamente como aparece na página 26 do seu livro. Fomos todos convidados a abandonar a sala e a peça não só não foi representada, como (segundo soubemos depois) a Companhia de Maria della Costa foi acompanhada à fronteira e expulsa de Portugal. Acredito que os manifestantes tenham ido até à polícia (não sei), mas estou certa que foram muito aplaudidos por um Governo que nunca foi contra eles e deve ter agradecido a oportunidade de impedir a representação de uma peça que a censura teria deixado passar por ignorância do conteúdo.

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