Jornal de Negócios [31-12-2009]

Histórias de uma outra Direita no Estado Novo

Durante as últimas décadas do regime do Estado Novo surgiram uma série de movimentos que tentaram repensar o lugar da direita em Portugal. Este é um bom estudo sobre o tema.


Durante os anos de Salazar muitos supuseram que o seu pensamento político, económico, social e cultural era quase hegemónico na sociedade portuguesa. Exceptuando a esquerda ilegalizada, não haveria oxigénio para se respirar. Riccardo Marchi, neste excelente estudo sobre as “direitas radicais portuguesas no fim do Estado Novo (1959-1974)” mostra como dentro do bloco social que apoiava o regime, emergiram diferentes correntes politicas e ideológicas que não alinhavam com o conceito central do Estado Novo lapidado por Salazar. Não se fala aqui muito de Rolão Preto ou mesmo do pensamento que António Ferro fomentou quando esteve à frente da propaganda do regime, mas sim de várias gerações que até ao 25 de Abril tentaram abrir novos caminhos dentro do sector conservador nacional.
Há momentos francamente interessantes como o dos do grupo que se juntou á volta da revista “Tempo Presente”. Quando esta analisa o fenómeno dos “teddy-boys”, como os jovens rebeldes das periferias londrinas dos anos 50, o grupo é acusado pela direita conservadora d Estado Novo de ter as mesmas ideias, sobretudo pela irreverência das suas criticas e pela exaltação fascizante das suas prosas”, como escreve Marchi.
A este grupo não lhe agrada o conceito corporativo do Estado Novo e a sua afeição transfere-se antes para a órbita do integralismo lusitano. A diferença é crucial, escreve o autor: “O homem, para os jovens neofascistas, é um animal político, cuja dimensão natural é a comunidade radicada na história e nas tradições, isto é, na nação. Só nesta faz sentido falar de liberdade do homem. Sendo que na concepção fascista, o Estado é a nação politicamente organizada, a consequência é que o homem é apenas livre dentro do Estado, não podendo reivindicar nada fora e contra o Estado”.
Riccardo Marchi segue, ao longo das páginas, outros grupos que foram emergindo no meio do regime, uns com o pensamento mais estruturado, outros com interesses mais ambíguos. O pensamento sobre a nação, sobre a integração na Europa (e em que estilo de Europa, como é notório na confusão que sobreveio à vinda a Portugal de Jean Thiriart em 1966, que defende uma Europa unida, que não é a da futura UE) e sobre a ligação a África é muito interessante para ver as convulsões dentro das juventudes do regime. Pelo caminho vamos encontrando nomes conhecidos: Vasco Lourinho, Jaime Nogueira Pinto, Francisco Lucas Pires, João Bigotte Chorão, José Miguel Júdice.
A partir de meados dos anos 60 o grupo de Valle de Figueiredo antevê onde o regime começa a perder a guerra: no combate cultural e das ideias.
Ao longo das páginas são referenciadas muitas actividades destes grupos entre Lisboa e Coimbra (especialmente) e que acabam por ter uma forte implantação no meio universitário.
É curioso como o autor analisa o encontro entre estes jovens e Salazar: “Salazar não era um revolucionário, não era um fascista, não era um chefe das massas, não era um líder carismático à maneira dos anos 30 e, por isso, não podia ser o mito e a referência máxima para estes jovens radicais. Contudo em 1961, Salazar toma, sem vacilar, a posição da defesa incondicional da África portuguesa, realçando, aos olhos dos nacionalistas, o seu nível de estadista face aos indecisos da situação e aos inimigos da comunidade internacional. Aqui deve ser procurado o “salazarismo” do nacionalismo radical”. Este livro acaba por ser uma fonte ideal para entendermos melhor a derrota cultural da direita portuguesa a partir da década de 60. E da qual ainda não conseguiu sair. Mas é sobretudo um muito bom estudo de um sector que, nalguns casos, viria a ter um papel forte na vida política nacional.

Fernando Sobral

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