Apresento uma interessante troca de impressões que tive com um leitor dos livros "Folhas Ultras" e "Império, Nação, Revolução".
As Perguntas/considerações do Leitor serão indicada em itálico e com o acrónimo CF, as minhas respotas com o acrónimo RM.
CF: Gostei muito dos seus dois livros sobre a história da direita radical em Portugal. Creio que esses livros representam um contributo valioso para a historiografia nacional e que o facto de serem escritos por um estrangeiro ainda mais valoriza esse contributo.
Dito isto, gostaria de fazer alguns comentários sobre esses livros, apesar de a minha formação académica não ser na área da história.
No que toca ao livro Folhas Ultras, parece-me que ele peca por uma ausência de contextualização do percurso de Alfredo Pimenta. Julgo que teria sido interessante fazer um resumo do percurso anterior de Alfredo Pimenta bem como do estado em que estava a direita radical em 1939, quando começa a guerra, tendo em conta o resultado da agitação nacional-sindicalista de uns anos antes. Por exemplo, qual a relação, se é que havia alguma, entre os nacional-sindicalistas e Rolão Preto, de um lado, e Alfredo Pimenta, do outro, quer antes de 1939, quer depois desse ano? Qual a relação de Alfredo Pimenta com os expoentes do Integralismo Lusitano durante as décadas de 1930 e 1940? Alguns destes assuntos são aflorados brevemente no livro mas eu creio que todo o contexto em que se move Alfredo Pimenta e a direita radical poderia estar mais bem retratado no livro. Só assim se poderia perceber, por exemplo, a evolução ideológica de Rolão Preto que começa por estar à direita de Salazar e acaba à sua esquerda, a apoiar a oposição democrática.
RM: muito obrigado pela sua e-mail. Agrada-me saber que encontrou nos meus dois livros uma leitura interessante.
O Senhor afirma que o livro "Folhas Ultras" peca por uma ausência de contextualização do percurso de Alfredo Pimenta (situação da direita radical antes de 1939 e relação com Rolão Preto e Integralismo Lusitano). De facto você tem razão. "Folhas Ultras" surge como parte introdutória aos meus estudos sobre a direita radical portuguesa nos anos 60-70, mas desenvolveu-se de tal maneira (pense aos achados sobre o percurso do jornal "A Nação" e o grupo de jovens de "Mensagem") que apesar de não representar uma obra exaustiva sobre direita radical antes dos anos 60, mereceu uma publicação autónoma, devido também à diferença organizativa e doutrinária da direita radical dos anos 40/50 (reunida à volta de Pimenta) relativamente à dos anos 60. Inicialmente não era minha intenção abordar o pensamento de Alfredo Pimenta, querendo eu dedicar-me às organizações da direita radical mais que aos pensadores individuais, mas acolhi (com muito gosto e proveito) a sugestão do Professor António José de Brito que aconselhou-me vivamente de abordar o pensamento político de Alfredo Pimenta como alicerce da militância intelectual de toda a geração radical dos anos 40-50. Certo é que - como você diz - a relação de Pimenta com os Integralistas e com Rolão Preto nos anos 30-40 teria sido muito interessante e indicativa das fracturas que se viveram na direita radical e que se desenvolveram nos anos a seguir, mas quando se escreve um trabalho histórico é preciso fazer escolhas: focalizar certos argumentos e deixar apenas "aflorar" outros deixando-os na mesa como pistas para futuras investigações.
CF: Também gostaria de perceber porque é que o período escolhido começa em 1939 quando a maior dinâmica da direita radical em Portugal sucede uns anos antes, nomeadamente com o movimento nacional-sindicalista, na primeira metade da década de 1930.
RM: A razão pela qual decidi escolher o ano de 1939 como começo dos meus estudos, deixando de lado o nacional-sindicalismo, reside no facto que o meu objectivo era sondar as origens da direita radical intransigentemente adepta do fascismo e do nacional-socialismo como base de partida para estudar os movimentos que após 1945 permaneceram fiéis aos "derrotados da Guerra". E estas origens encontram-se na altura do eclodir da II Guerra Mundial quando uma parte consistente (talvez a mais consistente) do nacionalismo radical português decide permanecer fiel à antiga aliança com a democracia Inglesa e apoiar nessa perspectiva o neutralismo de Salazar. É a partir de 1939 que se estrutura uma frente rigidamente pró-Eixo à volta do jornal Esfera e de Alfredo Pimenta que se manterá activa também depois de 1945: nestas origens do meio pró-Eixo, o nacional-sindicalismo como organização estruturada (inclusive no seu líder Rolão Preto) teve pouca influência e não apenas por ter sido dissolvido 5 anos antes do começo da Guerra.
CF: Disse numa entrevista que estava a trabalhar num estudo que abordava a direita radical no período democrático. Gostaria de saber se tenciona abordar fenómenos mais recentes como sejam a fundação do PNR.
Finalmente, gostaria de saber a sua opinião sobre a seguinte tese. É opinião comum que aquilo que no actual regime democrático impede a direita radical de ultrapassar a sua situação de marginalidade política é a memória ainda bastante viva do regime autoritário do Estado Novo. Isto porque seria natural que no presente contexto de dificuldades económicas e problemas sociais pudesse emergir à direita um partido com o mesmo êxito político que o BE teve à esquerda. Gostaria de saber se concorda com essa tese, especialmente tendo em conta que no seu país, a Itália, a memória do regime de Mussolini (que arrastou o país para uma guerra, coisa que não aconteceu em Portugal) não impediu o MSI, no pós-guerra, de ter representação parlamentar durante décadas e, inclusive, um seu dirigente de chegar a vice-primeiro-ministro.
RM: Em relação aos meus estudos actuais, a resposta é sim: estou analisando todo o período democrático desde 25 de Abril de 1974 até aos nossos dias, inclusive o PNR sobre o qual apresentei já algumas comunicações em congressos nacionais e internacionais e escrevi um artigo que deverá ser publicado numa revista italiana. Acerca deste partido ou da área a volta dele e da possibilidade de reproduzir, na extrema-direita, o percurso eleitoral do BE, posso dar-lhe uma opinião como cientista político, pois não sou futurologista e (graças a deus) não trabalho com bolas de cristal. O que outros países europeus nos mostram é que partidos de direita radical têm possibilidades de vincar nos tempos actuais de crise económico-social, mas só se tiverem uma identidade alheia às experiencias autoritárias da primeira metade do Século XX. Como você justamente referiu, na Itália conseguiu emergir e resistir um partido de clara inspiração Mussoliniana como o MSI, mas estávamos em 1946 quando apesar da derrota, a "cultura política" do eleitorado ainda mantinha certas referências ideológicas (fascismo/comunismo/etc.). Quando, nos anos 90, se deu a crise italiana de "mãos limpas" e a passagem da primeira à segunda república, o MSI teve a oportunidade de capitalizar em termos de votos esta crise, mas para o fazer (e conseguiu faze-lo) teve que abandonar progressivamente a sua identidade fascista (já a muito fossilizada e estéril), aproximando-se de uma identidade liberal-conservadora com matizes claramente anti-fascistas. Quem representa com sucesso certas posições de extrema-direita na Itália hoje (apesar de não se definir tal) é a Lega Nord, um partido populista e regionalista que cresce no húmus da crise económico-social mas que se apresenta abertamente como partido anti-fascista e demoliberal. O mesmo se passa com os partidos populistas e de extrema-direita do norte-Europa: todos anti-fascistas e ocidentalistas (daí o apoio a Israel, a islamophobia, etc.). A mesma Frente Nacional francesa, que por primeira represnetou uma força de extrema-direita com sucesso consolidado, sempre reivindicou o seu cariz "não fascista" (nunca se definiu anti-fascista que eu saiba), ou seja a componente fascista interna sempre foi mantida à margem da identidade oficial do partido que se refazia muito mais ao nacional-populismo poujadista (de onde vinha Le Pen). E de facto onde Le Pen encontrou grandes dificuldades (assim como Haider) foi frente às acusações de "fascismo" (o Holocausto como detalhe da História; certo pangermanismo austríaco saudosista do Reich, etc.). Em fim, parece-me que a possibilidade do emergir de um partido nacional-populista e de extrema-direita até possa existir em Portugal, mas não de matriz salazarista (penso por exemplo ao que aconteceria se Alberto João Jardim decidisse fundar um partido nacional "anti-sistema" centrado na sua liderança carismática...na minha opinião teria bons resultados). Dito isso, acho também que em Portugal possa ter êxito um partido populista com um discurso anti-elitista (contra a classe política), anti-corrupção e anti-partitocrático. Pelo contrário, duvido muito que o discurso anti-islâmico e anti-imigração tenha algum resultado a nível nacional, devido às características sociais de Portugal (trata-se de saber escolher a agenda política).
As Perguntas/considerações do Leitor serão indicada em itálico e com o acrónimo CF, as minhas respotas com o acrónimo RM.
CF: Gostei muito dos seus dois livros sobre a história da direita radical em Portugal. Creio que esses livros representam um contributo valioso para a historiografia nacional e que o facto de serem escritos por um estrangeiro ainda mais valoriza esse contributo.
Dito isto, gostaria de fazer alguns comentários sobre esses livros, apesar de a minha formação académica não ser na área da história.
No que toca ao livro Folhas Ultras, parece-me que ele peca por uma ausência de contextualização do percurso de Alfredo Pimenta. Julgo que teria sido interessante fazer um resumo do percurso anterior de Alfredo Pimenta bem como do estado em que estava a direita radical em 1939, quando começa a guerra, tendo em conta o resultado da agitação nacional-sindicalista de uns anos antes. Por exemplo, qual a relação, se é que havia alguma, entre os nacional-sindicalistas e Rolão Preto, de um lado, e Alfredo Pimenta, do outro, quer antes de 1939, quer depois desse ano? Qual a relação de Alfredo Pimenta com os expoentes do Integralismo Lusitano durante as décadas de 1930 e 1940? Alguns destes assuntos são aflorados brevemente no livro mas eu creio que todo o contexto em que se move Alfredo Pimenta e a direita radical poderia estar mais bem retratado no livro. Só assim se poderia perceber, por exemplo, a evolução ideológica de Rolão Preto que começa por estar à direita de Salazar e acaba à sua esquerda, a apoiar a oposição democrática.
RM: muito obrigado pela sua e-mail. Agrada-me saber que encontrou nos meus dois livros uma leitura interessante.
O Senhor afirma que o livro "Folhas Ultras" peca por uma ausência de contextualização do percurso de Alfredo Pimenta (situação da direita radical antes de 1939 e relação com Rolão Preto e Integralismo Lusitano). De facto você tem razão. "Folhas Ultras" surge como parte introdutória aos meus estudos sobre a direita radical portuguesa nos anos 60-70, mas desenvolveu-se de tal maneira (pense aos achados sobre o percurso do jornal "A Nação" e o grupo de jovens de "Mensagem") que apesar de não representar uma obra exaustiva sobre direita radical antes dos anos 60, mereceu uma publicação autónoma, devido também à diferença organizativa e doutrinária da direita radical dos anos 40/50 (reunida à volta de Pimenta) relativamente à dos anos 60. Inicialmente não era minha intenção abordar o pensamento de Alfredo Pimenta, querendo eu dedicar-me às organizações da direita radical mais que aos pensadores individuais, mas acolhi (com muito gosto e proveito) a sugestão do Professor António José de Brito que aconselhou-me vivamente de abordar o pensamento político de Alfredo Pimenta como alicerce da militância intelectual de toda a geração radical dos anos 40-50. Certo é que - como você diz - a relação de Pimenta com os Integralistas e com Rolão Preto nos anos 30-40 teria sido muito interessante e indicativa das fracturas que se viveram na direita radical e que se desenvolveram nos anos a seguir, mas quando se escreve um trabalho histórico é preciso fazer escolhas: focalizar certos argumentos e deixar apenas "aflorar" outros deixando-os na mesa como pistas para futuras investigações.
CF: Também gostaria de perceber porque é que o período escolhido começa em 1939 quando a maior dinâmica da direita radical em Portugal sucede uns anos antes, nomeadamente com o movimento nacional-sindicalista, na primeira metade da década de 1930.
RM: A razão pela qual decidi escolher o ano de 1939 como começo dos meus estudos, deixando de lado o nacional-sindicalismo, reside no facto que o meu objectivo era sondar as origens da direita radical intransigentemente adepta do fascismo e do nacional-socialismo como base de partida para estudar os movimentos que após 1945 permaneceram fiéis aos "derrotados da Guerra". E estas origens encontram-se na altura do eclodir da II Guerra Mundial quando uma parte consistente (talvez a mais consistente) do nacionalismo radical português decide permanecer fiel à antiga aliança com a democracia Inglesa e apoiar nessa perspectiva o neutralismo de Salazar. É a partir de 1939 que se estrutura uma frente rigidamente pró-Eixo à volta do jornal Esfera e de Alfredo Pimenta que se manterá activa também depois de 1945: nestas origens do meio pró-Eixo, o nacional-sindicalismo como organização estruturada (inclusive no seu líder Rolão Preto) teve pouca influência e não apenas por ter sido dissolvido 5 anos antes do começo da Guerra.
CF: Disse numa entrevista que estava a trabalhar num estudo que abordava a direita radical no período democrático. Gostaria de saber se tenciona abordar fenómenos mais recentes como sejam a fundação do PNR.
Finalmente, gostaria de saber a sua opinião sobre a seguinte tese. É opinião comum que aquilo que no actual regime democrático impede a direita radical de ultrapassar a sua situação de marginalidade política é a memória ainda bastante viva do regime autoritário do Estado Novo. Isto porque seria natural que no presente contexto de dificuldades económicas e problemas sociais pudesse emergir à direita um partido com o mesmo êxito político que o BE teve à esquerda. Gostaria de saber se concorda com essa tese, especialmente tendo em conta que no seu país, a Itália, a memória do regime de Mussolini (que arrastou o país para uma guerra, coisa que não aconteceu em Portugal) não impediu o MSI, no pós-guerra, de ter representação parlamentar durante décadas e, inclusive, um seu dirigente de chegar a vice-primeiro-ministro.
RM: Em relação aos meus estudos actuais, a resposta é sim: estou analisando todo o período democrático desde 25 de Abril de 1974 até aos nossos dias, inclusive o PNR sobre o qual apresentei já algumas comunicações em congressos nacionais e internacionais e escrevi um artigo que deverá ser publicado numa revista italiana. Acerca deste partido ou da área a volta dele e da possibilidade de reproduzir, na extrema-direita, o percurso eleitoral do BE, posso dar-lhe uma opinião como cientista político, pois não sou futurologista e (graças a deus) não trabalho com bolas de cristal. O que outros países europeus nos mostram é que partidos de direita radical têm possibilidades de vincar nos tempos actuais de crise económico-social, mas só se tiverem uma identidade alheia às experiencias autoritárias da primeira metade do Século XX. Como você justamente referiu, na Itália conseguiu emergir e resistir um partido de clara inspiração Mussoliniana como o MSI, mas estávamos em 1946 quando apesar da derrota, a "cultura política" do eleitorado ainda mantinha certas referências ideológicas (fascismo/comunismo/etc.). Quando, nos anos 90, se deu a crise italiana de "mãos limpas" e a passagem da primeira à segunda república, o MSI teve a oportunidade de capitalizar em termos de votos esta crise, mas para o fazer (e conseguiu faze-lo) teve que abandonar progressivamente a sua identidade fascista (já a muito fossilizada e estéril), aproximando-se de uma identidade liberal-conservadora com matizes claramente anti-fascistas. Quem representa com sucesso certas posições de extrema-direita na Itália hoje (apesar de não se definir tal) é a Lega Nord, um partido populista e regionalista que cresce no húmus da crise económico-social mas que se apresenta abertamente como partido anti-fascista e demoliberal. O mesmo se passa com os partidos populistas e de extrema-direita do norte-Europa: todos anti-fascistas e ocidentalistas (daí o apoio a Israel, a islamophobia, etc.). A mesma Frente Nacional francesa, que por primeira represnetou uma força de extrema-direita com sucesso consolidado, sempre reivindicou o seu cariz "não fascista" (nunca se definiu anti-fascista que eu saiba), ou seja a componente fascista interna sempre foi mantida à margem da identidade oficial do partido que se refazia muito mais ao nacional-populismo poujadista (de onde vinha Le Pen). E de facto onde Le Pen encontrou grandes dificuldades (assim como Haider) foi frente às acusações de "fascismo" (o Holocausto como detalhe da História; certo pangermanismo austríaco saudosista do Reich, etc.). Em fim, parece-me que a possibilidade do emergir de um partido nacional-populista e de extrema-direita até possa existir em Portugal, mas não de matriz salazarista (penso por exemplo ao que aconteceria se Alberto João Jardim decidisse fundar um partido nacional "anti-sistema" centrado na sua liderança carismática...na minha opinião teria bons resultados). Dito isso, acho também que em Portugal possa ter êxito um partido populista com um discurso anti-elitista (contra a classe política), anti-corrupção e anti-partitocrático. Pelo contrário, duvido muito que o discurso anti-islâmico e anti-imigração tenha algum resultado a nível nacional, devido às características sociais de Portugal (trata-se de saber escolher a agenda política).
"Um partido populista com um discurso anti-elitista (contra a classe política), anti-corrupção e anti-partidocrático" parece-me ser algo muito parecido com a linha seguida a certa altura por Manuel Monteiro quando dirigia o Partido Popular, hoje outra vez CDS...
ResponderEliminarFoi rapidamente isolado e vencido, apesar de alguma breve popularidade, até expressa em votos.
Por boas razões Alberto João Jardim nunca fez o que o Riccardo sugere (e muitas vezes analisou essa possibilidade, sem dúvida). Mas ele sabe que desse modo até a importância que actualmente possui seria esbanjada em pura perda. Sem a tribuna que lhe garante a chefia do Governo Regional, seria facilmente neutralizado, e o povinho que até, em geral, andaria a dizer que "ele é que diz as verdades" não teria qualquer peso político para o apoiar. Em Portugal o povo existe mas muito pouco, e a casta dirigente (política, económica, mediática) está suficientemente unida para inviabilizar ataques desse género. Teríamos em pouco tempo um Jardim silenciado e esquecido, sem qualquer acesso à comunicação social e condenado a pagar a sede do seu bolso se quisesse continuar a ter sede para se reunir com os seus 4 ou 5 militantes...
caro Manuel,
ResponderEliminarna minha opinião o populismo mais que um programa é um estílo politico e por isso precisa também de um "phisique du role" que Manuel Monteiro não tem nem nunca teve. Na altura eu não estava em Portugal, mas pelo que vejo agora parecem-me tudo menos que um lider carismático.
Pelo contrário Jardim tem o "phisique du role" e obra feita. Pode parecer estranho mas acho que numa fase de crise da república poderia ser encarado por larga faixas do eleitorado disiludido, abstencionista, de protesto como uma possivel alternativa. Certo o problema seria a cobertura mediática num pais como Portugal onde os meios de informação televisivos são poucos e controlados. Mas em conjunturas de crise um "populista vindo de dentro do sistema" pode ser encarado como boia de salvação por parte de poderes do mesmo sistema e assim apoiado e sponsorizado "transitoriamente". O perigo do "populismo vindo de dentro" é mesmo isso: parece um golpe ao sistema quando ao contrário é um instrumento do mesmo sistema. O telepopulismo de Berlusconi na Italia é um caso disso: surgido na crise, ajudou os poderes a normaliza-la. E a direita foi atrás julgando-o o home da providencia contra o "comunismo".
Mas pronto, em relação a Portugal aqui já estamos à beira de previsões com a bola de cristal que não me apaixonam muito.
Mas o facto "Jardim" não é de subvalorizar: não há figuras com a mesma poitencialidade se se adveram determinadas condições.
Eu contestei a possibilidade de ser um êxito a experiência de Jardim à frente de um partido nacional "anti-sistema", que protagonizasse o tal "populismo vindo de dentro". E mantenho.
ResponderEliminarJardim não tem nada do que Berlusconi teve. Nem dinheiro, nem televisões, nem a adesão de múltiplos sectores do sistema que, numa situação em que havia o risco de afundamento geral, viram nele um meio de... mudar tudo de tal forma que tudo continuasse na mesma. Jardim teria contra ele todo o universo mediático e a unanimidade da classe dirigente, que agora tem que o aturar por reverência institucional mas que nessa altura o desprezaria. Jardim não teria ninguém nessa aventura - e ele sabe isso.
Sinceramente, o "populismo vindo de dentro", em Portugal, parece-me que só teria grandes hipóteses de sucesso a curto prazo se nascesse no PSD e se expressasse através do PSD. Quero dizer, se no PSD emergisse uma chefia que tivesse o perfil adequado e apostasse nessa linha política. Portanto, até admito que pudesse ser Jardim - mas à frente do PSD, o que, significativamente, ele nunca conseguiu.
Utilizando o aparelho político do CDS essa mesma experiência de "populismo vindo de dentro" não consegue levantar voo e manter-se no ar (falha nesta segunda parte). O stablishment consegue eficazmente reagir e neutralizar a tentativa, de modo que o próprio aparelho em causa sente que para sobreviver o melhor é mudar de rumo. Foi isto que se comprovou com a experiência Manuel Monteiro (com Portas por detrás, e então com dinheiro e boa imprensa), que foi muito mais séria do que o Riccardo parece julgar (apenas porque nessa época não estava cá).
E quanto a "populismo vindo de dentro" terminamos aqui, com o diagnóstico do provável êxito se partisse do PSD (era quase impossível de dominar com as armas do costume, o isolamento e a marginalização) e com a convicção da sua inviabilidade a partir do CDS. E quanto a outras tentativas populistas, sem essas bases orgânicas e institucionais, sistémicas, creio que já não seriam "vindas de dentro". Teriam forçosamente outra natureza.
Mas concordo que há temas mais interessantes do que estas especulações. Voltarei logo que tiver oportunidade.