Jovem Portugal por um militante de Jovem Europa [04-10-2010]

Recebo e publico uma nota sobre o Movimento Jovem Portugal, vinda de uma testemunha directa daqueles tempos: um militante da organização Jovem Europa, autor do nome e emblema (o Doriphorus: símbolo criado por Policleto na sua obra sobre a Harmonia) do Centro de Estudos Sociais Kanon [p.124].

Foto: em 1964, a revista Ordine Nuovo do omónimo grupo neofascista italiano publica uma entrevista com Zarco Moniz Ferreira chefe de Jovem Portugal.

Existe, sem dúvida, muita documentação sobre o Movimento Jovem Portugal. É natural que se seja levado a pensar que a sua importância foi grande em Portugal. Mas a realidade é, na minha opinião, bem diversa. É evidente que teve algumas acções e certa expressão jornalística, atendendo à sua qualidade de movimento político. Todavia, a sua força era débil, e nos próprios anos 60 não conseguiu enfrentar os movimentos de Esquerda que se foram formando. Recordo-me da sua ausência numa violenta acção junto à Faculdade de Ciências de Lisboa. Não esteve presente qualquer elemento do Jovem Portugal. A actuação pertenceu a alguns militantes de Direita que não estavam organizados devidamente.

E quanto a originalidade, a criatividade do Jovem Portugal? Entendo que quase não existiu. Socorreu-se fundamentalmente das Doutrinas Fascista e Nazi, com certas adaptações. Praticava, como em qualquer Fascismo, o culto do chefe; dizia-se nacionalista incondicional, sendo ferozmente anticomunista; defendia um nacional-sindicalismo, preferindo este termo – penso eu – a Corporativismo, por táctica e por influência externa próxima. O Corporativismo em Portugal estava gasto e o Nacional-Sindicalismo era de influência espanhola; José António Primo de Rivera e as JONS (Juventudes Operárias Nacionais Sindicalistas) que o Franquismo sabotou, como em Portugal aconteceu ao Nacional-Sindicalismo de Rolão Preto. Não encontro, assim, autonomia conceptual no Jovem Portugal.

A ideia de um nacionalismo universalista ou ecuménico é uma ideia, como ideia, contraditória. Não passa de uma confusão e entendo que tem a ver com a doutrina de Salazar sobre a integração portuguesa, com os povos de Timor ao Minho, na qual eu penso que nem ele acreditava, pois é abstracta, desligada e mesmo contrária à tradição colonial portuguesa, fundamentalmente militar.

A juntar, outro conceito nebuloso: o tratamento, a abordagem do capital e do capitalismo. Este ou é de Estado ou de Associação, como é sabido. Pretender que aquele seja baseado nos trabalhadores, no nacional-sindicalismo, parece-me utópico; se outras razões não houvessem, havia – e há – a de que um trabalhador, um sindicalista, é sempre um futuro capitalizador, pretende vir a participar do capital. Por outro lado, a ideia implícita da Justiça Social é muito diferente hoje - e já era nos anos 60 – da existente antes da I Guerra Mundial, no tempo em que se levantaram Fascismo e Comunismo, Doutrinas com finalidades semelhantes, totalitárias e de massas.

No princípio do século XX, ser trabalhador era sinónimo de exploração sem remédio: baixo ou baixíssimo poder de compra, descendo até à fome, fome mesmo. Do lado oposto estavam os ricos, os proprietários. Hoje quem detém a propriedade não é necessariamente rico. Há empregados por conta de outrem, que não são proprietários de coisa nenhuma, que têm muitíssimo mais rendimento que proprietários de bens imóveis e mesmo móveis. Foi esta realidade que principalmente enfraqueceu os Partidos Comunistas, que continuam a dizer que são os Partidos dos Trabalhadores, mas não são. Foram. Quero dizer, eles podem continuar a dizer que os seus apoiantes são os trabalhadores, mas isto é uma questão semântica: o mesmo que dizer que alguém é fidalgo ou nobre hoje, e dizê-lo no século XIX, sem falar no XVIII. Claro que os Partidos Comunistas e Neofascistas até podem voltar a ter peso, mas com um conteúdo bem diferente. Terão que prometer resolver problemas novos, porque os antigos já estão muitos, resolvidos.

Para completar o ideário do Jovem Portugal o racismo surgiu: lá estão as referências bem conhecidas em relação a judeus e gente de cor, eufemismo de pretos. Isto foram buscar ao Nazismo principalmente. O Jovem Portugal muito fiel à Filosofia onde foi inspirar-se afirmava a negação do indivíduo em favor do grupo, muito naturalmente. Havia muita estratégia e táctica que alguns dos próprios militantes sabiam que não levaria a lado nenhum. Só lhes faltou confessarem-se Nacionais Socialistas, uma vez que a raiz era afim. Mas seria demais! A Alemanha era a Alemanha, com o grupo Spartakista, com Rosa Luxemburgo, que foi origem do Partido Comunista alemão, que os Nazis tiveram que combater rijamente para juntar à sua volta a classe operária mais do que destruir as estruturas sociais.

E deste modo o Movimento Jovem Portugal acabou confundido e subordinado às instituições dependentes do Governo de Salazar, como a Legião Portuguesa. O Fascismo ou Nazismo nunca se teriam levantado sem a ligação ao Capitalismo do primeiro quartel do século XX.

Conversando com um Leitor [30-10-2010]

Apresento uma interessante troca de impressões que tive com um leitor dos livros "Folhas Ultras" e "Império, Nação, Revolução".
As Perguntas/considerações do Leitor serão indicada em itálico e com o acrónimo CF, as minhas respotas com o acrónimo RM.

CF: Gostei muito dos seus dois livros sobre a história da direita radical em Portugal. Creio que esses livros representam um contributo valioso para a historiografia nacional e que o facto de serem escritos por um estrangeiro ainda mais valoriza esse contributo.
Dito isto, gostaria de fazer alguns comentários sobre esses livros, apesar de a minha formação académica não ser na área da história.
No que toca ao livro Folhas Ultras, parece-me que ele peca por uma ausência de contextualização do percurso de Alfredo Pimenta. Julgo que teria sido interessante fazer um resumo do percurso anterior de Alfredo Pimenta bem como do estado em que estava a direita radical em 1939, quando começa a guerra, tendo em conta o resultado da agitação nacional-sindicalista de uns anos antes. Por exemplo, qual a relação, se é que havia alguma, entre os nacional-sindicalistas e Rolão Preto, de um lado, e Alfredo Pimenta, do outro, quer antes de 1939, quer depois desse ano? Qual a relação de Alfredo Pimenta com os expoentes do Integralismo Lusitano durante as décadas de 1930 e 1940? Alguns destes assuntos são aflorados brevemente no livro mas eu creio que todo o contexto em que se move Alfredo Pimenta e a direita radical poderia estar mais bem retratado no livro. Só assim se poderia perceber, por exemplo, a evolução ideológica de Rolão Preto que começa por estar à direita de Salazar e acaba à sua esquerda, a apoiar a oposição democrática.

RM: muito obrigado pela sua e-mail. Agrada-me saber que encontrou nos meus dois livros uma leitura interessante.
O Senhor afirma que o livro "Folhas Ultras" peca por uma ausência de contextualização do percurso de Alfredo Pimenta (situação da direita radical antes de 1939 e relação com Rolão Preto e Integralismo Lusitano). De facto você tem razão. "Folhas Ultras" surge como parte introdutória aos meus estudos sobre a direita radical portuguesa nos anos 60-70, mas desenvolveu-se de tal maneira (pense aos achados sobre o percurso do jornal "A Nação" e o grupo de jovens de "Mensagem") que apesar de não representar uma obra exaustiva sobre direita radical antes dos anos 60, mereceu uma publicação autónoma, devido também à diferença organizativa e doutrinária da direita radical dos anos 40/50 (reunida à volta de Pimenta) relativamente à dos anos 60. Inicialmente não era minha intenção abordar o pensamento de Alfredo Pimenta, querendo eu dedicar-me às organizações da direita radical mais que aos pensadores individuais, mas acolhi (com muito gosto e proveito) a sugestão do Professor António José de Brito que aconselhou-me vivamente de abordar o pensamento político de Alfredo Pimenta como alicerce da militância intelectual de toda a geração radical dos anos 40-50. Certo é que - como você diz - a relação de Pimenta com os Integralistas e com Rolão Preto nos anos 30-40 teria sido muito interessante e indicativa das fracturas que se viveram na direita radical e que se desenvolveram nos anos a seguir, mas quando se escreve um trabalho histórico é preciso fazer escolhas: focalizar certos argumentos e deixar apenas "aflorar" outros deixando-os na mesa como pistas para futuras investigações.

CF: Também gostaria de perceber porque é que o período escolhido começa em 1939 quando a maior dinâmica da direita radical em Portugal sucede uns anos antes, nomeadamente com o movimento nacional-sindicalista, na primeira metade da década de 1930.

RM: A razão pela qual decidi escolher o ano de 1939 como começo dos meus estudos, deixando de lado o nacional-sindicalismo, reside no facto que o meu objectivo era sondar as origens da direita radical intransigentemente adepta do fascismo e do nacional-socialismo como base de partida para estudar os movimentos que após 1945 permaneceram fiéis aos "derrotados da Guerra". E estas origens encontram-se na altura do eclodir da II Guerra Mundial quando uma parte consistente (talvez a mais consistente) do nacionalismo radical português decide permanecer fiel à antiga aliança com a democracia Inglesa e apoiar nessa perspectiva o neutralismo de Salazar. É a partir de 1939 que se estrutura uma frente rigidamente pró-Eixo à volta do jornal Esfera e de Alfredo Pimenta que se manterá activa também depois de 1945: nestas origens do meio pró-Eixo, o nacional-sindicalismo como organização estruturada (inclusive no seu líder Rolão Preto) teve pouca influência e não apenas por ter sido dissolvido 5 anos antes do começo da Guerra.

CF: Disse numa entrevista que estava a trabalhar num estudo que abordava a direita radical no período democrático. Gostaria de saber se tenciona abordar fenómenos mais recentes como sejam a fundação do PNR.
Finalmente, gostaria de saber a sua opinião sobre a seguinte tese. É opinião comum que aquilo que no actual regime democrático impede a direita radical de ultrapassar a sua situação de marginalidade política é a memória ainda bastante viva do regime autoritário do Estado Novo. Isto porque seria natural que no presente contexto de dificuldades económicas e problemas sociais pudesse emergir à direita um partido com o mesmo êxito político que o BE teve à esquerda. Gostaria de saber se concorda com essa tese, especialmente tendo em conta que no seu país, a Itália, a memória do regime de Mussolini (que arrastou o país para uma guerra, coisa que não aconteceu em Portugal) não impediu o MSI, no pós-guerra, de ter representação parlamentar durante décadas e, inclusive, um seu dirigente de chegar a vice-primeiro-ministro.

RM: Em relação aos meus estudos actuais, a resposta é sim: estou analisando todo o período democrático desde 25 de Abril de 1974 até aos nossos dias, inclusive o PNR sobre o qual apresentei já algumas comunicações em congressos nacionais e internacionais e escrevi um artigo que deverá ser publicado numa revista italiana. Acerca deste partido ou da área a volta dele e da possibilidade de reproduzir, na extrema-direita, o percurso eleitoral do BE, posso dar-lhe uma opinião como cientista político, pois não sou futurologista e (graças a deus) não trabalho com bolas de cristal. O que outros países europeus nos mostram é que partidos de direita radical têm possibilidades de vincar nos tempos actuais de crise económico-social, mas só se tiverem uma identidade alheia às experiencias autoritárias da primeira metade do Século XX. Como você justamente referiu, na Itália conseguiu emergir e resistir um partido de clara inspiração Mussoliniana como o MSI, mas estávamos em 1946 quando apesar da derrota, a "cultura política" do eleitorado ainda mantinha certas referências ideológicas (fascismo/comunismo/etc.). Quando, nos anos 90, se deu a crise italiana de "mãos limpas" e a passagem da primeira à segunda república, o MSI teve a oportunidade de capitalizar em termos de votos esta crise, mas para o fazer (e conseguiu faze-lo) teve que abandonar progressivamente a sua identidade fascista (já a muito fossilizada e estéril), aproximando-se de uma identidade liberal-conservadora com matizes claramente anti-fascistas. Quem representa com sucesso certas posições de extrema-direita na Itália hoje (apesar de não se definir tal) é a Lega Nord, um partido populista e regionalista que cresce no húmus da crise económico-social mas que se apresenta abertamente como partido anti-fascista e demoliberal. O mesmo se passa com os partidos populistas e de extrema-direita do norte-Europa: todos anti-fascistas e ocidentalistas (daí o apoio a Israel, a islamophobia, etc.). A mesma Frente Nacional francesa, que por primeira represnetou uma força de extrema-direita com sucesso consolidado, sempre reivindicou o seu cariz "não fascista" (nunca se definiu anti-fascista que eu saiba), ou seja a componente fascista interna sempre foi mantida à margem da identidade oficial do partido que se refazia muito mais ao nacional-populismo poujadista (de onde vinha Le Pen). E de facto onde Le Pen encontrou grandes dificuldades (assim como Haider) foi frente às acusações de "fascismo" (o Holocausto como detalhe da História; certo pangermanismo austríaco saudosista do Reich, etc.). Em fim, parece-me que a possibilidade do emergir de um partido nacional-populista e de extrema-direita até possa existir em Portugal, mas não de matriz salazarista (penso por exemplo ao que aconteceria se Alberto João Jardim decidisse fundar um partido nacional "anti-sistema" centrado na sua liderança carismática...na minha opinião teria bons resultados). Dito isso, acho também que em Portugal possa ter êxito um partido populista com um discurso anti-elitista (contra a classe política), anti-corrupção e anti-partitocrático. Pelo contrário, duvido muito que o discurso anti-islâmico e anti-imigração tenha algum resultado a nível nacional, devido às características sociais de Portugal (trata-se de saber escolher a agenda política).